sexta-feira, 13 de julho de 2007

A necessidade de conceituação

Texto
JOÃO ROBERTO VIEIRA DA COSTA

Um dos principais desafios para se entender o escopo e a abrangência da
Comunicação de Interesse Público está na sua própria definição. Isso porque,
esta modalidade opera na intersecção de várias formas de comunicação de diferentes
atores sociais e pode — e deve — utilizar uma também variada gama
de mídias e formatos na sua formulação.
Por isso, é preciso delimitar com clareza os diversos universos que integram
o espaço público da comunicação. Para fins analíticos, podemos dividir
em três campos esse espaço: o campo da Comunicação de Interesse Público, o
campo da Comunicação Mercadológica e o campo da Comunicação Políticoeleitoral.
O entendimento dos limites e intersecções entre estes três grandes
universos de comunicação é importante, pois nos ajuda a definir o campo da
Comunicação de Interesse Público, abrindo caminho para explorar todas as
suas possibilidades e também os seus limites.
Nos próximos tópicos, analisaremos sinteticamente a Comunicação de Interesse
Público e os seus principais componentes e desafios (uma elaboração
melhor das suas possibilidades e de lições aprendidas com sua prática serão
expostas em detalhe nos capítulos seguintes deste livro). A comunicação mercadológica
e a comunicação política serão abordadas, em suas linhas gerais, no
final deste capítulo.
A Comunicação de Interesse Público (CIP)
Comunicação de Interesse Público é toda ação de comunicação que tem
como objetivo primordial levar uma informação à população que traga resultados
concretos para se viver e entender melhor o mundo. Na Comunicação
de Interesse Público, os beneficiários diretos e primordiais da ação sempre serão
a sociedade e o cidadão.
Sua missão, portanto, se traduz num esforço para difundir, influenciar,
criar ou mudar comportamentos individuais ou coletivos em prol do interesse
geral. Nada impede, entretanto, que, em uma ação de Comunicação de
Interesse Público, uma marca, uma corporação ou até mesmo um ente público sejam beneficiários indiretos ou secundários da ação, com ganhos para a sua
imagem institucional.
Em todo o mundo, as ações de Comunicação de Interesse Público — que
podem ser um filme de TV, um anúncio, um evento, um site na Internet, um
blog, um cartaz ou até mesmo os resultados de uma assessoria de imprensa
— despontam como iniciativas diferenciadas que acabam agregando associações
positivas à imagem das organizações, sejam elas públicas, privadas ou nãogovernamentais.
A CIP pode oferecer às empresas, por exemplo, uma poderosa
ferramenta de construção de marca (branding)1, por considerar outros públicos
que não os consumidores de um produto específico como destinatários dos seus
esforços de comunicação. No entanto, os ganhos efetivos de imagem ocorrem
quando o interesse geral está em primeiro plano na ação de comunicação.
A questão central que caracteriza uma ação de comunicação como de interesse
público é o seu endereçamento primário e direto: a sociedade e o cidadão
e não o emissor da comunicação. Este universo da CIP, aparentemente
bem definido, no entanto, agrupa um conjunto de outros conceitos que não
são concorrentes a ele, mas integrantes dos seus pressupostos e, muitas vezes,
complementares nos seus objetivos, como veremos a seguir.
CIP e comunicação pública
No Brasil, reina uma enorme confusão a respeito do significado e da abrangência
da Comunicação de Interesse Público (CIP)2. Por aqui, ela é associada
quase exclusivamente à comunicação realizada pelos governos e outros agentes
públicos. Esse é, por exemplo, o sentido comumente associado ao termo comunicação
pública: na prática, ocorre uma percepção de que comunicação pública
diz respeito às ações de comunicação no âmbito da administração pública, que
acompanha a tomada de decisões de governos e outros agentes públicos.
Pierre Zémor define a Comunicação Pública nos seguintes termos: “A Comunicação
Pública é a comunicação formal que diz respeito à troca e à partilha
de informações de utilidade pública, assim como à manutenção do liame social
cuja responsabilidade é incumbência das instituições públicas3”. Para Zémor, a
Comunicação Pública pressupõe a multiplicidade de atores sociais. Ela é — ou
deveria ser — praticada sobretudo pelo Estado, em um fluxo de comunicação
“entre o Estado e a sociedade, que envolve o cidadão de maneira direta, participativa”.
Mas é também praticada por instituições privadas.
Sem menosprezar a importância do papel fundamental do Estado, dos governos
e das instituições públicas nas ações de comunicação para o desenvolvimento
social (que serão abordadas no Capítulo 2 deste livro), ao adotarmos
a expressão “interesse público” procuramos, portanto, contextualizar de forma
mais abrangente o sentido da palavra “público”, ou seja, toda a sua amplitude,
o que inclui o universo estatal, o universo privado e, mais recentemente, o
universo do Terceiro Setor.
O interesse público é, portanto, muito maior do que o interesse da administração
pública nas suas diversas necessidades de comunicação, como também
é muito maior do que o interesse privado. Por isso, entendemos que a
CIP designa melhor esse conjunto de ações de comunicação. Como diz Maria
José da Costa Oliveira: “Há grande tendência de se considerar Comunicação
Pública como aquela praticada pelo governo. (....) Comunicação Pública é um
conceito mais amplo, envolvendo toda a Comunicação de Interesse Público,
praticada não só por governos, como também por empresas, pelo Terceiro Setor
e pela sociedade em geral5”.
Um outro termo comumente associado à ações de comunicação de governos
é a comunicação de utilidade pública, ou Publicidade de Utilidade Pública
(PUP)6. Isso porque a PUP é diretamente envolvida em ações concretas de
comunicação dos governos para melhorar a qualidade de vida da população,
na medida em que a característica desta é mobilizar, levar o indivíduo/cidadão
a adotar um determinado comportamento que lhe traga benefícios tangíveis
para melhorar sua qualidade de vida.
Quando afirmamos que a CIP é “informação útil para viver e entender o
mundo melhor”, há total harmonia com os objetivos da PUP.
CIP e a comunicação institucional
Há um papel importante na Comunicação de Interesse Público, no que
diz respeito à chamada comunicação institucional. Se entendermos a comunicação
institucional como aquela que diz respeito às ações de comunicação
das instituições, no que tange aos seus pressupostos e atividades, temos um
campo inequívoco de informações que atendem ao interesse geral.
Isso acontece, por exemplo, na comunicação institucional de governos e
agentes públicos dirigida a explicar e divulgar atividades dessas instituições
aos cidadãos, definida por Pierre Zémor como “comunicação institucional
prática”. Dependendo dos objetivos e responsabilidades de um órgão de governo,
é de interesse geral conhecer o conjunto de serviços prestados à sociedade,
por exemplo. Nesses casos, divulgam-se as instituições com o firme propósito
de abrir caminho para que a natureza — e importância — de seus serviços e
atividades chegue ao seu usuário final, ou seja, à população.
Há casos, no entanto, de comunicação institucional de governos e agentes
públicos que dizem muito mais respeito à promoção dos ocupantes dos
cargos públicos do que atender ao interesse geral. Isso acontece quando essa
informação não traz benefícios diretos ao cidadão, limitando-se à enumeração
de atos de governo, colocadas no espaço público sem um benefício concreto à
população. Isso ocorre, por exemplo, no caso das campanhas de governo que
só destacam as realizações passadas, sem nenhum compromisso com a agenda
das responsabilidades cotidianas do governo com a sociedade.
Recentemente, as empresas, estimuladas por novas responsabilidades junto
às comunidades em que estão inseridas, passaram a divulgar também suas
ações de responsabilidade social. Ao prestar contas à sociedade de ações efetivas
de responsabilidade social, informando os cidadãos e o mercado de que o
interesse público está contemplado na sua atuação, essas empresas praticam a
CIP institucional, no âmbito da iniciativa privada (analisada com mais detalhes
no Capítulo 4 deste livro).
A abrangência da CIP
O século XXI trouxe um envolvimento crescente de diversos atores sociais
em causas públicas. O Estado, que antes agia praticamente de forma isolada e
exclusiva, passa a contar, cada vez mais, com parceiros importantes na sociedade:
são empresas que avançam rapidamente no front da responsabilidade social
corporativa; organizações não-governamentais que levantam bandeiras e obtêm
resultados efetivos; veículos de comunicação que abrem espaço e se engajam
em campanhas de utilidade pública. O movimento destes diversos atores sociais
abre espaço para uma rápida difusão da Comunicação de Interesse Público.
As ações de CIP são voltadas para a realização de uma aspiração coletiva
muito antiga, porém extremamente atual: a construção de um mundo melhor,
com mais qualidade de vida para todos. Toda vez que a comunicação busca
o interesse geral, estamos falando de Comunicação de Interesse Público.
Isso ocorre, por exemplo, no momento em que o Ministério da Saúde veicula
as suas já tradicionais campanhas de vacinação infantil; ou quando uma das
maiores multinacionais do setor de bebidas, a Anheuser-Busch, investe milhões
de dólares na veiculação de comerciais de TV nos prestigiados intervalos
da transmissão do Super Bowl norte-americano, enfatizando a importância de
não se dirigir após o consumo de bebidas alcoólicas.
Nosso maior desafio neste livro é demonstrar o compromisso da CIP com
o diálogo público sobre assuntos de interesse geral, fazendo uso, para isto, de
todas as possibilidades ofertadas pelas tecnologias de informação.
A comunicação mercadológica
Forma predominante no cenário de comunicação de massa, a comunicação
mercadológica, ou comunicação de marketing, é aquela que, em linhas gerais,
diz respeito à oferta de produtos e serviços no mercado. Ou, como define o norte-
americano Philip Kotler, “é o meio pelo qual as empresas buscam informar,
persuadir e lembrar os consumidores — direta ou indiretamente — sobre os
produtos e marcas que comercializam7”.
A comunicação mercadológica não é apenas utilizada em ações de comunicação
da iniciativa privada: quando uma empresa estatal anuncia seus produtos
e serviços no mercado, por exemplo, ela faz uso dessa modalidade de
comunicação. E as empresas privadas não fazem somente comunicação mercadológica:
como veremos no Capítulo 3 deste livro, quando suas ações de
comunicação têm como beneficiários diretos a sociedade ou o cidadão, elas
estão fazendo Comunicação de Interesse Público.
Por meio da comunicação mercadológica, ainda segundo Kotler, os consumidores
“podem conhecer ou ver como e por que um produto é usado, por
qual tipo de pessoa, quando e onde; podem receber informações sobre quem o
fabrica e o que a empresa e a marca representam, e, ainda, podem receber um
incentivo ou recompensa pela experimentação ou uso”.
Quando as empresas, portanto, anunciam seus produtos em filmes de 30
segundos na televisão, estamos falando de comunicação mercadológica. O
mesmo ocorre, como podemos depreender do enunciado acima, quando essa
empresa disponibiliza informações sobre suas atividades, como aspectos organizacionais,
financeiros ou de relacionamento com seus investidores. Nesse
caso, temos a comunicação institucional, no âmbito da comunicação mercadológica.
São várias as atividades de comunicação mercadológica e sua contribuição
para o brand equity (valor de marca) também acontece de diversas maneiras.
Segundo Kotler, esse tipo de comunicação cria conscientização da marca; vincula
as associações corretas à imagem da marca na memória dos consumidores;
desperta opiniões ou sentimentos positivos sobre a marca ou facilita uma
conexão mais forte entre consumidor e marca.
Por ser a forma dominante de comunicação no cenário contemporâneo, a
comunicação mercadológica cria paradigmas e desafios para outras formas de
comunicação, que têm de encontrar o seu espaço nesse cenário, como é o caso
da Comunicação de Interesse Público8.
A comunicação político-eleitoral
A comunicação político-eleitoral é aquela que visa garantir a conquista e a
permanência de grupos e partidos políticos no poder. Na sua forma mais explícita,
a comunicação político-eleitoral tem a forma do marketing político, ou
seja, das ações de comunicação que fazem parte do embate eleitoral direto. No
Brasil, ela é feita a cada dois anos, nos meses que antecedem as eleições, e mesmo
após, nos anos subseqüentes, por meio das inserções e programas de TV de
20 minutos e comerciais dos partidos políticos. Regulamentada pelo Tribunal
Superior Eleitoral e pela Constituição, a comunicação político-eleitoral utiliza
técnicas do marketing para eleger um candidato a cargos no Executivo e no
Legislativo nas três esferas de governo: federal, estadual e municipal.
Há, no entanto, outras formas de comunicação político-eleitoral que acontecem
à margem da propaganda oficial dos partidos. Por conta de mudanças
estruturais na sociedade e no cenário de comunicação nas últimas décadas, a
mídia tornou-se o espaço central da ação política.
Isso faz com que a luta entre os diferentes políticos e partidos e a exposição
da imagem pública dos líderes políticos — dentro e fora dos governos — se
torne cotidiana, alimentando as mídias tradicionais e a miríade de novas mídias
que surgem com a revolução tecnológica. A luta política ocupa, assim, o
novo espaço público constituído pela mídia, em suas várias formas, tomando o
lugar de um debate centrado nas ações concretas dos governos e o conseqüente
envolvimento dos cidadãos nos assuntos que lhes dizem respeito.
Notas
1. “Quando se utiliza o modelo mental ‘produto-mercado’, só são considerados os públicos
na direção da meta de vendas/resultado e são excluídos os outros públicos na direção da
criação de valor”, como define o publicitário Ricardo Guimarães, em artigo no semanário
especializado Meio&Mensagem (17/07/06).
2. Essa é a opinião da pesquisadora Maria José da Costa Oliveira: “Há, em geral, uma grande
confusão entre público e estatal, parecendo que um representa o sinônimo do outro.
Entretanto, o espaço público não se limita à noção de estatal.” (p. 187) em “Comunicação
pública e os setores não-estatais”, em Comunicação Pública, Maria José da Costa Oliveira
(org.), Alínea Editora, 2004.
3. ZÉMOR, Pierre. La Communication Publique. PUF, Col. Que sais-je? Paris, 1995 (na
tradução da Profa. Dra. Elizabeth Brandão). No livro, Zémor pressupõe seis categorias
funcionais para a Comunicação Pública: 1. Responder à obrigação das instituições
públicas de levar informação a seus públicos; 2. Estabelecer a relação e o diálogo,
desempenhando o papel que cabe aos poderes públicos e permitindo ao poder público
atender às necessidades do cidadão de maneira mais precisa; 3. Apresentar e promover
cada um dos serviços oferecidos pela administração pública; 4. Tornar conhecidas as
instituições (interna para elas mesmas e externamente); 5. Desenvolver campanhas de
informação e ações de comunicação de interesse geral; 6. Comunicar o debate público que
acompanha as tomadas de decisão ou que pertencem à prática política.
4. Como diz Zémor, em entrevista exclusiva para este livro, sobre a aplicação de diferentes
modalidades de Comunicação Pública entre o setor público e o privado: “A comunicação
de relação (aquela em que se fala e ao mesmo tempo se escuta) é mais desenvolvida nas
instituições públicas. As empresas a utilizam no nível comercial, colocam à disposição
centros de atendimento ao cliente etc. Mas esse tipo de comunicação está mais no setor
público porque, nele, vai desde a recepção do público até as explicações sobre os serviços
e produtos. Se não há diálogo, as pessoas não entendem porque se adota este ou aquele
procedimento. Igualmente, a comunicação de dados é praticamente desenvolvida só no
setor público. Aliás, ela não é obrigação de uma empresa, mas, sim, uma obrigação do
Estado, a não ser no caso de companhias de capital aberto, que são obrigadas a apresentar
dados em seus balanços financeiros e relatórios a investidores”.
5. No já citado “Comunicação pública e os setores não-estatais”, em Comunicação Pública,
Maria José da Costa Oliveira (org.), Alínea Editora, 2004.
6. Na definição oficial da PUP, como consta na Coletânea de Instrumentos Normativos
da Secretaria de Estado de Comunicação de Governo (Secom): “Publicidade de
Utilidade Pública — a que tem como objetivo informar, orientar, avisar, prevenir ou
alertar a população ou segmento da população para adotar comportamentos que lhe
tragam benefícios sociais reais, visando melhorar a sua qualidade de vida”. A Secom
estipula ainda que, na sua execução, a PUP deve “vincular-se a objetivos sociais de
inquestionável interesse público, sempre assumindo caráter educativo, informativo ou de
orientação social”; “conter sempre um comando, que oriente a população a adotar um
comportamento, e uma promessa de benefício, individual ou coletivo, que possa vir a ser
cobrado pelo cidadão”; “expressar-se com objetividade e clareza” e “utilizar linguagem de
fácil entendimento para o cidadão”.
7. Em Administração de marketing, Philip Kotler e Kevin Lane Keller (Editora Pearson
Prentice Hall), um clássico de 750 páginas, já na sua 12ª edição brasileira (2006).
8. Esse é o ponto de vista de Pierre Zémor, para quem o predomínio da comunicação
mercadológica dificulta a inserção de mensagens que têm por objetivo primordial a
cidadania e o debate públicos: “O excesso de virtudes ou de indignidades atribuídas às
formas publicitárias ou midiáticas da comunicação faz perder de vista as funções da
Comunicação Pública, que, em uma democracia, são informativas, didáticas, respeitosas
quanto ao debate contraditório e atenciosas no que se refere ao sentido do coletivo”, em
ZÉMOR, Pierre. La Communication Publique. PUF, Col. Que sais-je? Paris, 1995.

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