Meados dos anos 90. Rolando toda aquela histeria em torno da internet. Só se falava nisso. Até que durante um Manhattan Connection, no meio do tédio dessa conversa toda sobre “www”, Paulo Francis solta um “tudo que tem nessa tal de internet eu já conheço desde os meus 12 anos”. O tempo passa. Mais de 10 anos depois, a internet transformou o mundo. Se fosse vivo, Francis estaria sofrendo até hoje com essa sua frase que ficou para a posteridade. É o preço que pagam os “polemistas” que soltam estas frases de impacto mais para fazer o povo colocar os pés no chão do que para “cagar regra” sobre o futuro. Francis não estava desdenhando do potencial da web. A frase dele era apenas um cutucão no povo deslumbrado que despejava nas conversas milhões de “achismos” e burrices sem tamanho. Burrice sim, porque histeria cega a razão. Uma pessoa histérica e deslumbrada engole qualquer balela que tentam vender.
Pois bem. Tudo isso para dizer que ontem a chefia bancou uma palestra sobre Second Life. 50 pratas para ir ver a diretora de planejamento do Cafeína Estúdio tentar desenvolver o tema “Projetando novas realidades”. Comentários positivos de blogueiros que dou valor me fizeram encarar a “hora extra” após um dia bem cansativo.
Não fui convencido nem um pouco que “Second Life era a internet do futuro”, como estava no título de alguns slides (raros slides, porque toda a apresentação não parece ter sido planejada, tava mais para “um improviso”). E, no meio do tédio de bolinhas sendo modeladas em 3D e perguntas no estilo “como eu faço para voar”, resolvi fazer os 50 contos (mesmo não sendo meus) valerem um pouco. Sim, eu fui aquele cara chato que sempre enche o saco na palestra (nossa, e como eu odeio esses caras chatos).
Vamos a alguns pontos que tentei levantar lá e outros que, por falta de tempo (ou vontade), não deu para discutir.
O que dizem: Second Life é mais que um jogo. É uma rede social, um universo com moeda e economia própria. Essa economia é viva. O dinheiro virtual pode ser convertido em dinheiro real e há muitas pessoas vivendo desta forma.
O que eu acho: Second life é um jogo misturado com rede social. Mas está longe de ser um lugar com uma economia viva. Está mais para “dinheirinho da turma da Mônica”, que você compra quando entra no parque.
Em qualquer curso de introdução a economia aprendemos que bens como as “camisetas para seu bonequinho que custam L$ 10”, “a cama com scripts para seu bonequinho fazer sexo que custam L$ 300” e qualquer outro produto ou serviço exclusivamente virtual que movimenta a economia do Second Life tende naturalmente a ser gratuito. Simplesmente porque o seu custo marginal de produção é zero (você tem um custo de desenvolvimento, que seriam horas de programação, mas o custo de fazer cópias depois do produto pronto é zero, basta um copy/paste para inundar o universo virtual com uma produção em série infinita). No curto prazo o preço se iguala ao custo marginal. Ou seja, assim que sairmos desta situação de curtíssimo prazo (onde poucas pessoas dominam os meios de produção) e mais pessoas adquirirem o conhecimento para desenvolver os bens virtuais dentro do Second Life, o ponto de equilíbrio fará com que quase todas “transações econômicas” lá dentro sejam gratuitas.
Desta forma, não há uma “riqueza em bens virtuais” que dê lastro a quantidade de “dinheirinho da Mônica” que é injetado nesta economia. Emissão de moeda sem uma riqueza que justifique a sua existência gera inflação. O “dinheirinho da Mônica” então só tende a se desvalorizar em relação ao dinheiro real.
Resumindo: Se você pensa em entrar no Second Life para “fazer negócios’, vendendo produtos e serviços virtuais e converter isso em ganhos reais, boa sorte. Quando a conta dessa brincadeira fechar e a situação chegar ao equilíbrio, só quem vai ganhar é a Linden (dona dos servidores) e os desenvolvedores que fazem projetos especiais para ações de mídia lá dentro. Porque estes cobram em Dólar, não em dinheirinho da Mônica.
O que dizem: a comunidade Second Life cresce vertiginosamente.
O que acho: Olhando para o trafic rank do Alexa e comparando com outras comunidades, não vejo nada de sensacional no último ano.
Em um ano (março de 2006 a março de 2007), a “população” cresceu de 160 mil para 5 milhões. Quando alguém fala isso em uma palestra, tudo mundo diz “uau”. “Os números falam por si só”, dizem os palestrantes. Números não falam por si só. Pegamos em uma amostragem um obeso mórbido de 130 kg e um magro desnutrido de 30 kg. Na média, essa população tem 80 kg e está saudável.
E se eu disser que, enquanto a “população” do Second Life cresceu mais de 30 vezes, o número de usuários simultâneos online (gente jogando neste momento) cresceu apenas 4 vezes neste período (de 5 mil em março/2006 para 20 mil em marco/2007)?
Ou seja, muita gente se cadastrando, mas a conversão disso para usuários minimamente ativos é bem fraca. As pessoas se cadastram por que todo mundo está falando. É só a força do hype. Mas, uma vez lá, não encontram nada de muito interessante para se manterem ativos, ou acham complicado, ou vão atrás de outro hype e abandonam suas contas (mas o número continua lá, fazendo peso nas estatísticas).
O que dizem: Só ontem, 1,2 milhões de dólares foram gastos em Second Life. Você vai ficar fora dessa “economia”?
O que acho: Mais uma vez números sendo adaptados convenientemente a um discurso. “1,2 milhões serem gastos”, dito desta forma, dá a impressão de que essa dinheirama toda foi injetada nesta economia. Que “1,2 milhões de riqueza e oportunidades foram criadas”. Na verdade, esse valor representa a soma de todas as transações que foram feitas lá dentro. Se eu vendi algo por um dólar e depois comprei algo com este mesmo dólar, a estatística computou 2 dólares em “volume gasto”. Ou seja, a quantidade de dinheiro circulando lá dentro é bem menor que isso. E, mesmo que consideremos que “existe 1,2 milhões de dólares no “PIB” do Second Life”, pare para pensar no que é 1,2 milhões de dólares. Muito pouco para uma economia. Uma única loja do McDonalds supera esse número fácil em volume de capital.
O que dizem: Faça uma filial da sua empresa no Second Life. Isso vai te dar visibilidade.
O que acho: Não espere que a sua “filial” vá receber muitas visitas ou ter uma grande visibilidade lá dentro. Primeiro porque a população ativa que nos vendem como “quase 6 milhões” é na verdade bem menor que isso. Está mais para Carazinho do que para São Paulo. Entre lá e comprove. Muito prédio e pouca gente. Está tudo sempre vazio. O sistema de busca (essencial em um lugar tão lotado de informações) também é fraco e vulnerável a SPAM. Se a sua empresa começa a fazer sucesso, logo começam a aparecer várias coisas nada a ver (e de baixo nível) usando o seu nome da descrição para atrair visitantes perdidos nas buscas.
Além disso, uma “ilha” suporta até 300 usuários simultâneos (isso foi dito na palestra). Os donos de ilhas loteiam este terreno em vários espaços de terra. Vamos dizer que em uma ilha há 100 lotes (acho que em alguns casos há mais do que isso). Ou seja, cada lote (ou a filial da sua empresa lá dentro) teria uma cota média de 3 usuários simultâneos. Mas isso não é equilibrado. Se na sua ilha acontece uma festa em um lote e o cara atrai 300 pessoas. A ilha está lotada por causa do seu vizinho bem sucedido e a sua “filial” fica indisponível para quem quiser ir lá. Podem até criar “ilhas espelho”, aumentando virtualmente esta capacidade. Mas o limite é 300 em cada espelho. Não vai rolar de colocar 600 pessoas em um mesmo espaço.
O que dizem: Second Life é o futuro da Web.
O que acho: Interfaces de navegação 3D, ou mundos virtuais, podem até ser “o futuro da web”. Ou no mínimo se tornarem relevantes. Mas Second Life? Não. Existem mundos virtuais bem maiores e bem mais ativos.
O sistema do Second Life me parece também muito frágil, cheio de brechas de segurança. Semanalmente os caras precisam remendar o código para corrigir alguma cagada que foi explorada por um hacker. Diariamente "fecham" para manutenção. Sinto cheiro de um queijo suíço cheio de buracos maiores do que o Orkut.
Logo vão aparecer centenas de mundos virtuais, voltados para nichos e mais bem feitos que o Second Life. E aí? Você vai criar uma “filial” em cada um que aparecer?
Até criarem um “mundo 3D” realmente aberto, como é a essência da internet, sem um proprietário e onde qualquer um pode ser, de fato, dono do seu nariz. E aí, o que você faz com o seu “investimento” no Second Life?
Second Life é algo muito interessante. Vai ser uma boa experiência para o futuro. Gera ótimas conversas e acho que ficar de olho no que está rolando é importante. Também acho que realmente pode ser uma forma de lazer para muita gente e proporcionar "experiências" bem legais, inclusive experiências que remetam ao seu produto e agreguem para a imagem da sua marca (mas isso em uma escala minúscula, para os poucos que estão lá).
Mas não acho que investir grana lá montando uma “presença” valha a pena. A não ser que o seu objetivo seja explorar isso de maneira guerrilheira, gerando mídia espontânea para a sua marca em cima de uma ação “vaporware” lá dentro. Se para você pouco importa os resultados que teve lá no mundo virtual, mas no que isso impactou na mídia no mundo real. Mas, mesmo assim, em breve “abrir uma filial” ou “fazer uma festa” não serão mais razão para gerar pautas. O tema fica batido e você terá que pensar em algo mais sofisticado para a mídia voltar a se interessar.
Enfim, não vou me alongar mais. Tudo isso só para dizer que “o que existe neste tal de Second Life, eu já conheço desde os meus 12 anos”. E que isso sirva para salvar algumas pessoas desta histeria.
sexta-feira, 15 de junho de 2007
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